quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Pesquisa Participativa e Pesquisa-ação

          A pesquisa participativa tem sido mais facilmente caracterizada do que definida na literatura especializada. Haguette (1990) define como sendo um processo de: investigação, de educação e de ação, embora enfatize também a organização como um componente fundamental da pesquisa participativa (PP). Apesar da clareza com que estes componentes são explicitados empiricamente, restam muitas ambigüidades em nível das especificidades da PP quando confrontada com a pesquisa convencional.
          Borda (1983, citado por Haguette, 1990), define a PP como uma pesquisa da ação voltada para as necessidades básicas do indivíduo, que responde especialmente às necessidades de populações que compreendem operários, camponeses, agricultores e índios, levando em conta, suas aspirações e potencialidades de conhecer e agir. É a metodologia que procura incentivar o desenvolvimento autônomo (autoconfiante) a partir de bases e uma relativa independência do exterior.
          Freire (1990) diz: “No uso de instrumentos de pesquisa, a minha opção deve ser libertadora, se a realidade se dá a mim não como algo parado, imobilizado, posto aí, mas na relação dinâmica entre objetividade e subjetividade. Não posso reduzir os grupos populares a meros objetos de minha pesquisa. Simplesmente não posso conhecer a realidade de que participam a não ser com eles, como sujeitos também deste conhecimento que, sendo para eles, um conhecimento do conhecimento anterior (o que se dá ao nível da sua experiência cotidiana) se torna um novo conhecimento. Na perspectiva libertadora em que me situo, a pesquisa, como ato de conhecimento, tem como sujeitos cognoscentes, de um lado, os pesquisadores profissionais; de outro, os grupos populares e, como objeto a ser desvelado, a “realidade concreta”.
          Thiolent (2004), utiliza o termo metodologia da pesquisa-ação, definindo-a como sendo um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
          Englobando os conceitos acima citados, Hagette (1990), afirma que a PP se coloca a serviço de grupos ou categorias sociais mais desprovidas e exploradas. Ela busca não somente desencadear ações susceptíveis de melhorar as suas condições de vida, mas também desenvolver a capacidade de análise e resolução dos problemas que enfrentam ou com os quais convivem cotidianamente. Torna-se, pois, importante que a PP esclareça „para quem‟ se trabalha. O pesquisador não é neutro, pois se coloca a serviço dos mais oprimidos e desfavorecidos. Esta „tomada de posição‟ longe de ser fácil, necessita de um trabalho permanente de reflexão crítica do pesquisador sobre as implicações teóricas e metodológicas de sua intervenção e do processo de pesquisa. Essa função que o pesquisador desempenha constitui determinado poder que não deve ser mascarado por uma ideologia de orientação neutra e não-diretiva.
          Boterf (1987), afirma que não existe um modelo único de pesquisa participativa, pois se trata, na verdade, de adaptar em cada caso o processo às condições particulares de cada situação concreta (os recursos, as limitações, o contexto sócio-político, os objetivos perseguidos, etc.). Diante disto, o autor não propõe instrumentos, mas somente alguns passos metodológicos que deverão ser adaptados a cada projeto específico. Assentadas essas considerações o modelo de pesquisa participante, comporta quatro fases:

a) Primeira fase - a montagem institucional e metodológica da pesquisa participante. Aqueles que promovem a PP, em associação estreita com as organizações representativas da população, devem realizar as seguintes tarefas:
  • discussão do projeto de PP com a população e seus representantes;
  • definição do quadro teórico da PP, isto é, objetivos, conceitos, hipóteses, métodos, etc.;
  • delimitação da região a ser estudada;
  • organização do processo de PP (instituições e grupos a serem associados, distribuição das tarefas, procedimentos e partilha das decisões, etc.);
b) Segunda fase - o estudo preliminar da região da população envolvida. O diagnóstico preliminar e provisório inclui três partes:
  • a identificação da estrutura social da população pesquisada;
  • a descoberta do universo vivido pela população de pesquisados e dos principais acontecimentos de sua história;
  • o recenseamento dos dados sócio-econômicos e tecnológicos.
          Estes três tipos de informação não são independentes entre si, é necessário estudar as suas relações: as necessidades experimentadas e expressas, por exemplo, não são independentes da posição ocupada do processo de produção por aqueles que as experimentam. Trata-se na verdade, de três momentos complementares na unidade do diagnóstico.

c) Terceira fase - análise crítica dos problemas considerados prioritários e que os participantes da pesquisa desejam estudar.
          Esta fase é consagrada a um primeiro trabalho de análise crítica dos problemas considerados prioritários na fase precedente. Sugere-se a formação de „grupos de estudo‟ que devem ser compostos de todos os atores envolvidos (pesquisadores, alunos, habitantes da comunidade).
          É importante assinalar que se trata aqui de um primeiro trabalho de análise crítica, pois tal análise não pode ser concluída numa etapa anterior a própria ação.
          O objetivo das atividades de análise crítica é o de promover, nos grupos de estudos, um conhecimento mais objetivo dos problemas e da realidade. Deve-se partir dos fenômenos para buscar o essencial, além das aparências e das relações cotidianas e imediatas. Os problemas não devem somente ser descritos, mas explicados, a fim de se procurar as estratégias possíveis de ação.

d) Quarta fase - programação e realização de um plano de ação (inclusive ações educacionais) para contribuir para a solução dos problemas. O plano de ação elaborado a partir dos problemas analisados deve comportar:

  • atividades educativas que permitam analisar os problemas e as situações vividas;
  • medidas que possam melhorar a situação a nível local;
  • ações educativas que tornem possível a execução de tais medidas;
  • ações que encaminhem soluções a curto, médio ou longo prazo, a nível local ou numa escala mais ampla.
          Este plano de ação bem como a sua realização deve, por sua vez, dar lugar a um processo de feedback, isto é, a uma discussão e avaliação permanente de sua orientação, de seu conteúdo e de sua realização.
          O objetivo visado nesse momento é o da participação da população na esfera das decisões, do mesmo modo que ela esteve presente nas etapas anteriores do diagnóstico e da análise dos problemas.
          O processo da pesquisa participante não termina nesta quarta fase descrita. A análise crítica da realidade e a realização de ações programadas conduzem à descoberta de outras necessidades e de outras dimensões da realidade. A ação é uma fonte de conhecimentos e de novas hipóteses. O diagnóstico, a análise crítica e a ação constituem, assim, três momentos de um processo permanente de estudo, de reflexão e de transformação da realidade, os quais se nutrem mutuamente.          

Referências Bibliográficas

BORDA, O.F. Aspectos teóricos da pesquisa participante: considerações sobre o significado e o papel da ciência na participação popular. In: BRANDÃO, C. R. (Org.) Pesquisa participante. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999. P. 42-62.
BOTERF, G.L. Pesquisa participante: propostas e reflexões metodológicas. In:
FREIRE, P. Criando métodos de pesquisa alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação. In: In: HAGUETTE, T.M.T. Metodologias qualitativas na sociologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.
THIOLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2004. 107p.

Palavras chaves: agroecologia, agroecossistema, camponês, transição agroecológica


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